segunda-feira, 8 de julho de 2013

Endocrinologia.



                                                Dois pesos e duas medidas

Cuidados:

Enquanto estudos sugerem que o excesso de gordura pode ser benéfico para a saúde, médicos relativizam as pesquisas e destacam a importância de fatores como a genética, os hábitos pessoais e o tipo de obesidade
Não há dúvidas de que a obesidade é um problema de saúde pública. Cerca de 12% da população mundial sofre hoje com a doença, responsável pela morte de aproximadamente 2,8 milhões de pessoas por ano. Isso porque, além dos evidentes prejuízos estéticos e de locomoção, o excesso de peso está associado a doenças cardiovasculares, diabetes, pressão alta e alguns tipos de câncer, como de cólon, mama e próstata. Nos últimos anos, porém, diversos estudos, realizados em universidades ao redor do mundo, vêm apontando um dado polêmico: pessoas obesas com bom metabolismo e fisicamente ativas são tão saudáveis quanto as magras.
Batizado de Paradoxo da Obesidade, o tema é especialmente voltado à questão da saúde cardiovascular. No ano passado, o European Heart Journal divulgou um estudo que associa a abundância de tecido adiposo a menor mortalidade por doenças coronárias. Durante nove anos, os pesquisadores analisaram mais de 4.800 pacientes submetidos à angioplastia coronária, e notaram que aqueles com sobrepeso morriam menos do que aqueles com peso normal – enquanto os obesos mórbidos apresentaram os mesmos riscos dos pacientes de peso normal. Outra análise, feita por pesquisadores do Centro Médico da Universidade da Califórnia, demonstrou que pacientes de diálise com Índice de Massa Corporal (IMC, cálculo utilizado para determinar a obesidade, baseado na altura e no peso) mais alto podem ter mais chance de sobreviver a problemas renais do que aqueles com IMC mais baixo.
Segundo diversos estudos científicos feitos nos últimos anos, pessoas obesas com bom metabolismo e fisicamente ativas são tão saudáveis quanto as magras
Essa vantagem biológica foi abordada em diversos outros trabalhos científicos (veja mais dois no box da última página), que apontaram que pessoas com sobrepeso, mas com uma vida saudável, correriam menor risco de desenvolver doenças cardiovasculares e teriam melhores prognósticos depois de passar por cirurgias cardíacas, por exemplo. Pessoas abaixo do peso ou com peso normal – porém sedentárias e com maus hábitos de saúde, como o tabagismo – apresentariam mais riscos do que aquelas com sobrepeso.
Tais resultados são controversos, e as opiniões médicas divergem. “O Paradoxo da Obesidade é um ótimo exemplo para ilustrar a importância de usar cautela e bom senso na interpretação de dados estatísticos. A principal conclusão dos estudos que levantaram esse assunto não são os benefícios do sobrepeso, mas sim os malefícios da desnutrição”, afirma Antonio Laurinavicius, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. Segundo ele, é possível que indivíduos com sobrepeso que sofrem uma parada cardíaca sejam inicialmente mais saudáveis (ou no mínimo mais bem nutridos) que os que enfartam devido ao fumo ou a problemas genéticos de colesterol. Nesses casos, o tecido adiposo definiria pacientes menos graves, e não seria um fator protetor.
Outros ingredientes na balança
Para filtrar estatísticas que poderiam levar, precipitadamente, a uma redenção dos gordinhos, fatores como genética, atividade física e tipo de obesidade devem ser considerados. “A suscetibilidade a efeitos nocivos da doença, como diabetes, colesterol e pressão alta, é determinada geneticamente. Além disso, sabemos que pessoas com sobrepeso que se exercitam com regularidade reduzem significativamente o risco de doenças, já que a atividade física frequente neutraliza boa parte dos malefícios do excesso de peso”, assegura o cardiologista.
Antonio Amadeu Calvilho Junior, cardiologista do Hospital TotalCor, faz coro quanto à “variedade” de acúmulos de gordura: “O IMC pode ser questionado, dependendo da distribuição e porcentagem de gordura no corpo. Uma pessoa com sobrepeso, mas com grande massa muscular e abdome magro, é provavelmente mais saudável que um indivíduo com igual IMC, mas com o abdome volumoso e pouca massa muscular”. Ou seja, deposição de gordura periférica (nas coxas e glúteos, em especial nas mulheres) costuma ser associada a um bom prognóstico, enquanto o acúmulo no abdome – o famoso “pneuzinho” – pode levar a complicações metabólicas e cardiovasculares.
“Há casos em que a demanda por energia para a recuperação do paciente é alta; a reserva de gordura tem, então, um papel importante” - Karla Gomes, endocrinologista
Por outro lado, em pessoas abaixo do peso é comum ocorrer inflamações ou desnutrição, o que já aumentaria o risco de mortalidade.No Hospital Vitória, em São Paulo, a endocrinologista Karla Gomes já viu pacientes agradecerem seus quilos a mais. “Há casos em que a demanda por energia para a recuperação do paciente é alta; a reserva de gordura tem, então, um papel importante.” Ela explica que o tecido adiposo é fornecedor de energia em estados de alta demanda e que, nessas condições, idosos com doenças crônicas como insuficiência cardíaca ou renal (que provocam alto gasto energético) podem se beneficiar do excesso desse tecido. “Mas não se pode generalizar. A obesidade ainda é a grande vilã da saúde para a grande maioria da população”, ressalta Karla.
Para o cardiologista Ricardo Couto Moraes, são os extremos de peso (magros ou com obesidade grau 3) que costumam apresentar evolução desfavorável em caso de infarto ou acidente vascular cerebral, com reabilitação mais lenta. No entanto, ele diz, o paradoxo não vale para todas as pessoas. “Há uma série de fatores clínicos que devem ser somados ao cálculo do IMC para defini-lo fisiologicamente como um indivíduo saudável”.




Karla F.B.Gomes
Endocrinologia e Metabologia pela SBEM

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